[teatro] Ricardo III

Teatro Nacional D. Maria II

De William Shakespeare. Tradução: Rui Carvalho Homem. Direcção artística: Tónan Quito. Cenografia: F. Ribeiro. Figurinos: José António Tenente. Desenho de luz: Daniel Worm. Música original: Gonçalo Marques, João Lopes Pereira. Desenho de som: Pedro Costa. Assistência de encenação: Filipa Matta. Coordenação do elenco juvenil: Luís Godinho. Interpretação: António Fonseca, Márcia Breia, Miguel Loureiro, Miguel Moreira, Miguel Sobral Curado, Paulo Pinto, Raquel Castro, Romeu Runa, Sofia Marques, Teresa Sobral, Tónan Quito. Elenco juvenil: Carolina Cabrita, Leonor Cabrita, Maria Abreu, Mariana Rala, Nuno Represas, Tiago Carvalho. Interpretação musical ao vivo: Gonçalo Marques (trompete), João Lopes Pereira, Joel Silva (percussão). Produção: HomemBala. Co-produção TNDM II, Centro Cultural Vila Flor, Stage One residência artística Espaço Alkantara

Há uma bola vermelha em cena. Não se deve perdê-la de vista. É com ela que os actores, quase todos, afirmam o seu direito de ser Ricardo, o seu quinhão como chefe de uma maquinação perversa e cruel e egocêntrica e trágica para ascensão ao poder de Inglaterra. Pode ser confuso, tanto como estimulante. Garantido é o número de sepulturas não parar de aumentar.

Ricardo III, apesar dos esforços para a reabilitação do seu reinado, ou pelo menos para melhor compreensão do contexto em que decorreu e porque raio, no caminho para o trono, havia de entrar em intrigalhada com tudo e com todos, trair a corte e o povo e limpar o sebo ao irmão e ao sobrinho, herdeiros legítimos do débil Eduardo IV que estavam a atrapalhar, está claramente à frente na classificação de pior monarca, pelo menos do século XIV. Pelo retrato de William Shakespeare (1564-1616) em Ricardo III, então, era sujeito de muitos defeitos e aparentemente desconhecidas qualidades, com excepção de um certo gosto para a guerra e para a matança, mais objectiva e interesseira do que simplesmente desaustinada ou gratuita.

Um rufia de grande dimensão, portanto, que a encenação de Tónan Quito aborda, digamos, entre a repulsa e o fascínio, o mais das vezes vendo a personagem como quem olha um narcisista (como se diz na peça: “Ricardo ama Ricardo, ou seja, eu sou eu”) sem intenção de controlar impulsos assassinos e quejandos, eventualmente activados pela disforme fealdade. Um obcecado sem freio que, pela repetição, se universaliza, ampliando a sua maldade, generalizando-o, de certa maneira, eventualmente como álibi, tornando todos responsáveis. Para esta dinâmica chegar ao porto certo, é decisivo o elenco. E este (António Fonseca, Márcia Breia, Miguel Loureiro, Miguel Moreira, Miguel Sobral Curado, Paulo Pinto, Raquel Castro, Romeu Runa, Sofia Marques, Teresa Sobral, Tónan Quito, mais o elenco juvenil: Carolina Cabrita, Leonor Cabrita, Maria Abreu, Mariana Rala, Nuno Represas, Tiago Carvalho), sobre o cenário de F. Ribeiro, nos figurinos de José António Tenente, banhado pelo desenho de luz de Daniel Worm e envolvido pela música de Gonçalo Marques e João Lopes Pereira; este elenco, escrevia, apesar do seu elevado rácio talento/ experiência, demonstra algum desequilíbrio na qualidade das interpretações, geralmente compensadas por uma espécie de energia intrínseca, uma dinâmica estimulante no esforço de construir o tirano total antes de descer o pano. Deixando no ar a dúvida. Será que nas circunstâncias propícias não seremos todos Ricardo III – ou outro ditador qualquer, que a resposta é de escolha múltipla?

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